Discussões estruturais acerca das Pontes do Porto

E outras discussões…

por Manuel de Azeredo

Ao estudar as Pontes do Porto, alguns aspectos deixaram interrogações, outros acharam-se curiosos. Aqui são referidos alguns deles, sempre que possível discutindo os aspectos estruturais envolvidos.

Ponte Maria Pia, ponte de Eiffel ou de Seyrig?
Uma Ponte com Dois Tabuleiros
Arco encastrado, biarticulado ou atirantado?
A Transmissão das Cargas ao Arco




Ponte Maria Pia, ponte de Eiffel ou de Seyrig?

Gustavo Eiffel é sem reservas conhecido como o autor da Ponte D. Maria. Não poucas pessoas lhe atribuiriam também o projecto da Ponte D. Luís e o seu nome foi mesmo dado à marginal entre as duas pontes.

Mas seria de facto ele o principal responsável por esta ponte inovadora em tantos pontos de vista?

Eiffel soube durante toda a sua vida rodear-se dos melhores e mais brilhantes colaboradores e tinha já adquirido experiência e razoável fama para se estabelecer por conta própria quando em 1868 encontra o sócio ideal: Teófilo Seyrig. Muito rico, brilhante e recém formado com alta classificação na École Centrale e doze anos mais novo. Eiffel podia assim beneficiar do seu dinheiro e inteligência e manter um ascendente considerável. O capital da nova empresa, G. Eiffel e Cª é repartido desigualmente: cerca de 2/5 de Eiffel em bens e, o que diriamos hoje, know how; Seyrig contribui com a cota restante em dinheiro.

Em número recente da revista Science et Vie inteiramente dedicado a Eiffel, é sempre apontado Seyrig como o verdadeiro responsável pela concepção dos projectos que garantiram o sucesso da nova empresa durante os 11 anos que durou a associação, em particular do seu mais importante empreendimento que iria definitivamente celebrizar Eiffel, a Ponte Maria Pia.

Uma das principais fontes para esta opinião parece ser uma memória "Le pont sur le Douro de MM Eiffel et Cie" da autoria do próprio Seyrig publicada nas Mémoires SICF em 1878 (pag. 741-816) em vésperas portanto do rompimento com Eiffel (Seyrig abandona a casa Eiffel em 1879…). Não tivemos porém acesso a este texto original.

Esta versão pode justificar alguma estranheza que ressalta da leitura do parecer que aconselha a adjudicação a Seyrig da Ponte D. Luís. De facto, Eiffel propôs uma ponte substancialmente mais barata, mas a comissão, embora elogiando a solução, encontra algumas inconcordâncias com o programa do concurso. Quanto à solução de Seyrig não se cansa de a elogiar e aos aspectos em que se afasta igualmente do programa previsto a comissão considera menores e sugere que o projectista os altere, como aliás sucedeu.

Os argumentos contra a solução de Eiffel parecem relativamente fracos. Será que a comissão teria conhecimento de que o verdadeiro especialista era Seyrig?

Já em 1886, Augusto Luciano S. de Carvalho numa Memória publicada na Revista de Obras Públicas e Minas em que se descreve o concurso e construção da Ponte Internacional rodoferroviária sobre o Rio Minho, corrobora esta opinião tecendo rasgados elogios às duas variantes apresentadas a concurso pela Soc. Willebroeck "…firmadas pelo abalisado engenheiro francês Th. Seyrig…" lamenta não cumprirem determinados requisitos do concurso, considerados essenciais. A obra veio a ser construida pela Soc. Braine-le-Comte com projecto do engenheiro espanhol D. Pelayo Mancebo.

Num artigo muito mais tardio (1899) publicado na nossa Revista de Obras Públicas e Minas, Seyrig refere-se longamente à Ponte Maria Pia e às várias inovações que nela se introduziram. E apenas estas palavras sobre o celebrado em França viaduto Garabit: "Le pont Maria Pia a 160 mètres d'ouverture entre rotules d'appui. Il a été imité, presque copié, au viadut du Garabit (1880-1884) par un arc de 165 mètres d'ouverture, mais un peu plus élevé au centre, et paraissant surtout tel à raison de la grande profondeur de la gorge qu'il traverse: il a 122 mètres du rail au ruisseau." O artigo prossegue exaltando agora a solução da ponte Luís I

Há certamente alguma injustiça em atribuir todo o mérito a Seyrig. Eiffel viveu em Portugal entre finais de 1875 e 1877 pelo menos temporáriamente e, ao que parece dirigiu pessoalmente a construção da Ponte Maria Pia e algumas das outras que construiu em Portugal.

Seja ou não Seyrig o autor de ambas, da segunda é-o sem dúvida e merecia no Porto um maior reconhecimento, porque não o seu nome na Avenida da Ponte…
Back to top (Main Menu) Back to "Pontes do Porto"

Uma Ponte com Dois Tabuleiros

Quem terá tido em primeiro lugar a ideia notável de construir uma ponte com dois tabuleiros para servir simultaneamente os dois níveis a que a cidade se desenvolvia?

Em 1880 o programa do concurso já exigia uma solução assim. Segundo Almeida e Sousa o responsável por este programa foi o, então Director do Caminho de Ferro do Minho, Engº João Joaquim de Matos.

Antes disso em 1878 ou 1879, Eiffel propusera uma solução de ponte levadiça inspirada na Ponte Maria Pia que curiosamente inclui um passadiço para peões que corre ao longo da corda inferior do arco. Esta passagem nasce de um nível sensivelmente superior ao do tabuleiro mas, mesmo assim nada, de comparável àquilo que hoje se designa por cota alta.

Esta solução não servia portanto as populações da zona alta da cidade em torno da Sé.

Mas, pelos vistos, Eiffel estava já atento a esta questão. Teria sido ele?

Provavelmente não.

De facto, em 1876 o Engº Bento Fortunato M. C. d'Almeida d'Eça apresentou o "Anteprojecto de uma Ponte sobre o Rio Douro, para ligar a cidade do Porto com Villa Nova de Gaya"

do qual consta pela primeira vez ao que supomos o alçado de uma ponte com dois tabuleiros em localização idêntica à actual.

Bento Fortunato de Moura Coutinho d'Almeida d'Eça

(17/10/1827 - 4/11/1906)

Engenheiro pela Escola do Exército e foi General de Divisão. Prestou serviço no Ministério das Obras Públicas e, entre outros cargos e distinções, foi vogal do Conselho Superior de Obras Públicas e Minas e vogal permanente da Comissão Internacional de Caminhos de Ferro.

Sem uma investigação mais aturada, deve, para já, atribuir-se-lhe a autoria da solução de ponte com dois tabuleiros.
Back to top (Main Menu) Back to "Pontes do Porto"

Arco encastrado, biarticulado ou atirantado?

Estruturalmente, a Ponte Maria Pia é um arco biarticulado uma vez hiperstático com uma geometria perfeitamente em acordo teórico com esta solução estrutural.

E a Ponte Luiz I? A forma peculiar do arco com secção a aumentar para os apoios associada à grande expressão dos portais em alvenaria que o rematam, fazem crer que se trata de um arco encastrado.

Um arco encastrado, porém levantava alguns problemas, designadamente de análise. Mas Seyrig conhecia bem a brilhante solução aplicada na Ponte Maria Pia. Teria ele generalizado o método a estruturas com grau de indeterminação geométrica superior a um? Ou conheceria já os resultados de Mohr? Um outro aspecto que não concorda com esta hipótese é o facto de os encontros do arco serem ocos, portanto com peso insuficiente para garantir o encastramento.

Mas o arco da Ponte Luiz I poderia ser também simplesmente apoiado, servindo nesse caso o tabuleiro inferior como tirante. A geometria do arco não seria a mais adequada mas esta solução tiraria partido da existência do tabuleiro inferior para simplificar a execução dos encontros.

Apostando na solução de arco encastrado, o autor sujeitou-se a pagar um almoço à equipa que iniciava então o "Estudo da Viabilidade de utilização da Ponte Luiz I pelo Metro Ligeiro do Porto". Ocorreu essa refeição em esplanada de Gaia à vista da ponte e acompanhada de amenas discussões estruturais.

É que de facto a ponte é um arco biarticulado tal como a ponte de Eiffel e a geometria usada destina-se a permitir a passagem para o tabuleiro o que seria bem difícil com uma disposição das barras idêntica à Ponte Maria Pia. Nesse caso a entrada deveria fazer-se de lado como, por razões diferentes se fazia já na vizinha Ponte Pênsil.

É referido ter Seyrig recebido, na Exposição Universal de um prémio exactamente pela forma do arco desta ponte. A solução é efectivamente engenhosa e Seyrig soube dela tirar enorme partido estético. Estruturalmente, porém, não é tão canónica como a solução de Eiffel para a sua Ponte.

O tabuleiro inferior, esse é independente dos encontros do arco e apoia simplesmente sobre o encontro com possibilidade de movimento.

Mas a variante preterida que o próprio Seyrig apresentou a concurso, era precisamente um arco encastrado…
Back to top (Main Menu) Back to "Pontes do Porto"

A Transmissão das Cargas ao Arco

Pode fazer-se um curioso confronto entre as várias soluções para o problema de transmissão das cargas do tabuleiro superior ao arco. As soluções em confronto são as das Pontes Maria Pia e Luiz I e ainda o anteprojecto de Bento Fortunato d'Almeida d'Eça.

Ponte Maria Pia
Anteprojecto de B. F. A. d'Eça
Ponte Luiz I
1874
1876
1881


Back to top (Main Menu) Back to "Pontes do Porto"

O Tratamento da Encurvadura

Em preparação


Os Erros dos Artistas

Em preparação


Bibliografia

Back to top (Main Menu) Back to "Pontes do Porto"


Este texto começou a construir-se em Janeiro de 1997 e está em evolução. Só periodicamente a versão disponível é actualizada.

Última actualização 29 de Abril de 1997