A Nova Lei do Ruído: Carta Aberta ao Director-geral do Ambiente
Por JORGE PATRÍCIO*
Jornal Público, Sábado, 26 de Maio de 2001

Escrevi recentemente no PÚBLICO um artigo dando conta das incongruências e dificuldades de aplicação do novo diploma do ruído que entrou pomposamente em vigor no dia 14 de Maio. Expus (...) aspectos que me pareceram pertinentes evidenciar, como sejam a criação de potenciais vazios legais, a não conformidade com a nova regulamentação europeia e o lamentável efeito perverso de uma lei com múltiplas ambiguidades. Estranhamente, e num suposto alinhamento de resposta a observações que nunca fiz à DGA, escreveu V. Exª, no PÚBLICO de 20 de Maio, um artigo que não posso deixar de considerar (...) algo desajustado. Neste sentido, e conferindo-me este jornal o direito de resposta, gostaria de esclarecer alguns pontos. (...) 

1. Ninguém põe em causa que o anterior regulamento sobre o ruído, datado de 87, se encontrava desactualizado e merecia ser revisto. Também ninguém está contra o conjunto alargado de aspectos positivos que a nova regulamentação tem; e eu evidenciei-o bem. Agora (...), não se pode construir um edifício legislativo sem a necessária sustentabilidade, tanto do ponto de vista técnico, como de eficácia aplicativa. E o que a comunidade, técnica, científica e usufrutuária, quer é um regulamento do ruído coerente, adequado e eficaz, que possibilite melhorar efectivamente o ambiente sonoro em Portugal. 

2. Diz V. Exª que a preparação do novo regulamento do ruído envolveu a ampla participação de múltiplas entidades. Quem ler o artigo de V. Exª poderá deduzir que todas as entidades que refere tiveram um representante na comissão que elaborou este regulamento. E eu até acreditava, se não estivesse ligado a algumas delas. 

Como deve ser do conhecimento de V. Exª, esteve em discussão pública em 99 uma proposta de regulamento (a qual integrava a componente dos edifícios), tendo as entidades que refere sido apenas consultadas para emissão de parecer, e em alguns casos de forma sectorial. E daquelas que conheço todas apontaram críticas muito relevantes, quase numa linha de parecer negativo. Entretanto, houve eleições legislativas e esse regulamento não entrou em vigor. O processo foi reactivado na actual legislatura, com a proposta do actual regulamento - objectivamente diferente do anterior - e é sobre este que se está a falar. 

Sou membro da comissão técnica de normalização CT28, há largos anos, e posso esclarecer V. Exª que não houve nenhuma participação desta comissão. (...) No preâmbulo do parecer que a CT28 formulou à primeira proposta de regulamento do tempo da ministra Elisa Ferreira, já se manifestava o profundo desagrado por esta comissão ter sido colocada à margem do processo e sido objecto de mera consulta. 

E o mesmo é de supor que se tenha passado com outras entidades. Senão veja-se: a Associação Nacional de Municípios Portugueses, ANMP, participou? Então por que razão apela para a não aplicação desta lei (notícia do PÚBLICO de 17 de Dezembro de 2000 e Boletim oficial da ANMP disponível para consulta na Internet). A Faculdade de Engenharia do Porto e a Universidade do Minho participaram? Os responsáveis pela área de ruído destas instituições, assim como de outras análogas, dizem-me que não. 

Claro que não sei qual é o conceito de participação de V. Exª. Para mim, um acto participativo no domínio técnico envolve debate; caso contrário, será apenas um acto de auscultação. (...) Qualquer um pode auscultar quem quer que seja e não ligar nada a quem e ao que auscultou. 

3. No programa Fórum da TSF, emitido no dia 15 de Maio, entre as 10h e o meio-dia, foi perguntado ao sr. secretário de Estado do Ambiente se podia informar quem teriam sido os membros da comissão que produziu este normativo, dado que o ouvinte - (...) - não tinha conhecimento de ninguém que tivesse feito parte dessa comissão. Olhe, sr. director-geral, eu também não, e trabalho nesta área há 14 anos para além do facto de ser presidente da Sociedade Portuguesa de Acústica (...).

4. Impõe o novo regime legal da poluição sonora uma transferência de competências para os municípios de um ponto de vista de planeamento, condicionando-se a aprovação de projectos acústicos à existência de parecer favorável a emitir pela administração central ou pelas DRAOT, no prazo de 20 dias, prazo a partir do qual se aplica a figura do deferimento tácito. (...) Estão estas entidades apetrechadas e com capacidade para o efeito? Porque não se manteve esta competência nos municípios, ou se salvaguardou a conformidade respectiva através da responsabilidade do autor do projecto, como acontece com tantas outras especialidades. 

(...) Não quero de forma nenhuma alimentar uma polémica que por cansaço a nada conduzirá. Apesar de não perceber a reacção algo intempestiva da parte de V. Exª à apreciação que expus no meu artigo de 14 de Maio, dado que nunca me referi à Direcção-Geral do Ambiente - e até julguei estar a alertar o poder instituído para problemas emergentes -, mantenho a ideia de que é necessário chamar a atenção para as inconformidades e ambiguidades existentes (e temos que ter humildade para admitir que as há), as quais podem determinar a ineficácia aplicativa deste normativo, de modo a que todos contribuamos para a melhoria, não só do ambiente sonoro do país, mas também para a forma de o fiscalizar e regular. É pena que no período que decorreu entre a publicação do novo normativo e a sua entrada em vigor (seis meses) não tivesse o Governo atento a algumas observações bastante pertinentes que lhe foram expostas tanto por mim, em carta dirigida a S. Exª o sr. ministro do Ambiente, como por outras entidades.

Sr. director-geral, desculpe-me a veemência, mas a verdade é que não conheço ainda ninguém que tenha dado um parecer objectivamente favorável a este regulamento e à forma como foi produzido. Uma lei com a importância que esta tem - na medida em que a poluição sonora é uma agressão ambiental tão grave que já foi considerada pelas instâncias europeias como uma das componentes do meio ambiente a que se deve dar prioridade de combate - merece uma atenção especial, até pelo seu carácter de transversalidade. Por isso, dêmos-lhe a necessária atenção e dignidade.

* engenheiro, docente e investigador 

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