O ANONIMATO NA INTERNET: UM DIREITO OU UMA AMEAÇA?

Pedro Leonel Remoaldo

Mestrado em Gestão de Informação
Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto
Portugal
Junho 1998
 

Ser anónimo significa que a verdadeira identidade de uma pessoa é desconhecida. O anonimato sempre foi uma característica importante da sociedade e a necessidade da sua existência tem sido demonstrada ao longo dos anos.

Com o surgimento e crescimento da Internet, tem decorrido uma batalha entre os respectivos utilizadores sobre se o anonimato online deve ou não existir.

De um lado defende-se a ideia que as pessoas devem ter a coragem de assumir as suas opiniões sem terem de se esconder no anonimato. Do outro lado a ideia chave é que o anonimato é vital para a protecção da liberdade de expressão.

Independentemente da opinião de cada utilizador, o que é facto é que existem diversas tecnologias que permitem a utilização anónima da Internet.

Todos os serviços disponíveis na Internet podem ser utilizados anonimamente. Mas normalmente a maior parte dos utilizadores regista os seus dados pessoais nos programas que utiliza para aceder a esses serviços, nomeadamente no correio electrónico e nos newsgroups. Isso permite que os outros utilizadores identifiquem a proveniência das mensagens.

Um dos serviços mais antigos, o FTP, permite a utilização do login anonymous para aceder a ficheiros localizados em determinadas áreas de acesso público de certos computadores. Neste caso é de boa etiqueta escrever o respectivo endereço de correio electrónico no campo da palavra-senha (password), embora tal não seja obrigatório.

Pelo contrário, nos programas de chat, o pseudoanonimato é vulgar. Isto significa que cada utilizador assume uma determinada identidade, utilizando um nome alternativo (nickname).

Nos Estados Unidos, desde que nenhuma lei específica seja transgredida, o anonimato na Internet está protegido por direitos constitucionais e pela liberdade de expressão.

A Convenção Europeia de Direitos Humanos contém provisões que garantem o direito à privacidade e ao anonimato. O mesmo princípio está consagrado nas constituições dos 15 membros da União Europeia, embora sujeito às excepções necessárias ao bom funcionamento de uma sociedade democrática.

OS ARGUMENTOS A FAVOR

A sociedade em que vivemos pode ser muito conservadora e intolerante, transformando muitas vezes em actividades perigosas certas tomadas de posição, certas opiniões, ou a adopção de determinados estilos de vida.

O anonimato é importante para discussões online sobre abuso sexual, minorias, vidas sexuais, e para a denúncia de actividades ilegais sem sofrer represálias. Pode ser mesmo útil para pessoas que pretendam colocar questões técnicas sobre as quais não gostariam de admitir desconhecimento. O anonimato tem sido de grande valor para dissidentes em países sem nenhuma liberdade de expressão, para as vítimas de violação, para as pessoas com SIDA e para outras pessoas que podem querer partilhar as suas experiências sem revelar a respectiva identidade.

Sem o anonimato, estas acções poderiam resultar no silenciamento dessas pessoas através de censura, agressão física, perda de emprego ou de posição, e em alguns casos, em processos em tribunal.

Na vida offline, o anonimato já é utilizado há muito tempo. Por exemplo, os jornalistas nunca revelam as suas fontes. Muitos escritores escrevem sob pseudónimo, existindo mesmo casos em que a verdadeira identidade do escritor nunca foi descoberta.

Por outro lado, o fantasma do Big Brother persegue-nos a todos e cada vez mais as pessoas têm medo que todos os seus movimentos e actividades estejam a ser registados. Neste caso, o direito à privacidade e ao anonimato tendem a ser usados como armas pelas pessoas, e a desconfiança dos meios electrónicos provoca ainda mais o desejo de permanecer anónimo.

OS ARGUMENTOS CONTRA

No dia-a-dia as "pessoas anónimas" não podem votar, conduzir um automóvel, passar um cheque, abrir uma conta, ter telefone ou electricidade em casa, tirar partido da segurança social, ter seguros, ou possuir cartões de crédito, argumentam os adversários do anonimato.

Para eles o anonimato na Internet não protege a privacidade dos utilizadores, apenas os desresponsabiliza permitindo o abuso generalizado e as actividades ilegais.

Esta desresponsabilização das acções atrai sociopatas e psicopatas e permite actividades como o rapto, o terrorismo, o racismo, as ameaças pessoais, as fraudes financeiras, a divulgação de segredos comerciais e a divulgação de informação pessoal. Uma das utilizações mais comuns do anonimato é a vingança contra utilizadores não anónimos que expressam opiniões contrárias.

COMO FUNCIONA O ANONIMATO ONLINE

Embora os utilizadores da Internet possam enviar mensagens utilizando a identificação de outros utilizadores ou forjando "novas" identidades, uma das formas mais comuns e menos complicadas de enviar mensagens anónimas é a utilização de serviços de anonimato.

Os serviços de anonimato utilizam normalmente remailers, que são basicamente computadores na Internet que encaminham mensagens de correio electrónico e outros ficheiros para outros endereços. Antes do remailer fazer o encaminhamento da informação, apaga o cabeçalho da mensagem original para que não possa ser identificada a proveniência da mensagem. Porém, este método só funciona para o envio de mensagens. No caso, do emissor pretender receber uma resposta tal não é possível.

Neste caso tem de se utilizar uma identificação fictícia que através de uma tabela de relacionamento permita relacionar o endereço fictício com o endereço real.

Os anonymous remailers têm tido um sucesso bastante grande, mas o seu tempo de vida é normalmente muito curto, dado que estão constantemente sujeitos a ataques de utilizadores furiosos ou contrários ao anonimato.

Por outro lado, os administradores de sistemas ou entidades onde se encontram localizados os servidores anónimos têm a maior parte das vezes medo de poderem ser responsabilizados pelos actos de um utilizador anónimo.

PROBLEMAS COM O ANONIMATO

Um dos casos mais famosos relacionados com o anonimato teve a ver com a Igreja da Cientologia (Church of Scientology). A Igreja queixou-se à polícia afirmando que alguém tinha penetrado num dos seus computadores, roubado informação confidencial e divulgado essa informação em diversos newsgroups da Internet. A Igreja solicitou então que esses newsgroups fossem encerrados, dado que estavam a ser violados direitos fundamentais. Pretendia também que parassem as publicações anónimas nesses newsgroups, que eram provenientes de anonymous remailers. O servidor anon.penet.fi, controlado por Johan Helsingius foi um dos visados e recusou identificar o utilizador em causa. A polícia finlandesa, a pedido da Interpol, informou Helsingius que, se não revelasse a identidade do utilizador em causa, seria obrigada a confiscar o computador onde mantinha os nomes reais dos utilizadores anónimos. Helsingius acabou por revelar a identidade do utilizador em causa de modo a salvaguardar a identidade dos outros utilizadores do seu serviço.

Outro caso mais recente é o de Timothy McVeigh que anonimamente, num forum online da America Online, afirmou que era homosexual. Timothy era oficial da Marinha norte-americana, e esta entidade não admite homosexuais nas suas fileiras. Um elemento da America Online forneceu mais tarde o nome do utilizador anónimo a investigadores da Marinha, desrespeitando a lei federal americana e a política da America Online, que proíbem a divulgação da informação pessoal a autoridades sem um mandato judicial.

Um caso mais humorístico teve a ver com uma história, pretensamente divulgada pela Associated Press, informando que a Microsoft pretendia comprar a Igreja Católica. Neste caso alguém se fez passar pela Associated Press e, embora a história fosse evidentemente falsa, houve muitas pessoas que acreditaram nela e telefonaram para a Microsoft a demonstrar a sua dignidade.

Dado que a Internet permite que uma mensagem chegue em segundos a milhões de pessoas, é o meio ideal para a propagação de boatos. O pior é que um boato pode danificar irremediavelmente a reputação de uma pessoa ou de uma empresa.

A FALSA IDENTIDADE

Outro problema relacionado com o anonimato é a utilização de falsas identidades. A utilização de uma identidade diferente da real é vulgar nos sistemas de chat ou nos MUDs, em que o objectivo é mesmo assumir uma nova identidade, muitas vezes do sexo oposto.

Mas isso também permite que, por exemplo, as crianças possam passar por adultas e aceder a serviços não adequados à sua idade, ou ficarem expostas a esquemas obscuros. Como é vulgar dizer-se, "On the Internet, nobody knows you're a dog". Estas falsas identidades assumem outras proporções quando se tenta passar por outros indivíduos. David Lusby foi processado em $200 milhões de dólares pela firma de investimentos Stratton Oakmont, depois de alguém ter utilizado a sua identidade electrónica para acusar essa firma de fraude. A sorte do David foi ter sido capaz de convencer a Stratton Oakmont que a mensagem tinha sido forjada.

Para evitar o problema da identidade falsa, surgiram as assinaturas digitais que vulgarizaram a criptografia. Estas assinaturas, que requerem que tanto o emissor como o receptor possuam a chave para o código electrónico, fornecem uma segurança de que a pessoa que enviou as mensagens é realmente quem diz que é.

DINHEIRO E COMÉRCIO ELECTRÓNICO

Todos estes problemas de anonimato e falsificação de identidade tornam-se muito importantes quando se fala em comércio e dinheiro electrónico. Por um lado o dinheiro electrónico permite que se efectuem transacções anónimas, respeitando assim o direito à privacidade dos indivíduos, mas por outro lado pode permitir actividades ilegais do tipo de lavagem de dinheiro e outras fraudes que serão então virtualmente indetectáveis.

Muitos analistas pensam que o facto de se poder efectuar compras anonimamente, sem que exista um registo das mesmas, tal como acontece com as transacções em dinheiro de hoje em dia, permitirá um forte crescimento do comércio electrónico, logo que sejam resolvidos os problemas da segurança electrónica.

CONCLUSÃO

O anonimato na Internet é um problema de difícil resolução: como se pode obter um equilíbrio entre a protecção da privacidade (permitindo aos utilizadores a utilização anónima da Internet) e a necessidade de culpabilizar os indivíduos que têm uma conduta ilegal? A liberdade de expressão deve ser permitida e, embora possam existir diversos problemas, eles não são específicos da Internet. As restrições ao anonimato tendentes a controlar as actividades ilegais e os abusos, serão facilmente ultrapassadas pelos criminosos e pelos psicopatas, mas impedirão a utilização benigna do anonimato por parte dos cidadãos obedientes à lei. O facto de serem enviadas mais de 15,000 mensagens anónimas todos os dias, demonstra que existe uma necessidade significativa para os serviços anónimos.

Por outro lado o facto do anonimato permitir a menores acederem a material de interesse dúbio também coloca uma questão: dever-se-á impedir a disponibilização de tal material, ou o problema é resolvido pela adopção de programas de filtragem de conteúdos menos apropriados (ex: Net Nanny ou Cyber Patrol)? A União Europeia já está atenta a este problema, tendo publicado um Livro Verde sobre a Protecção de Menores e Dignidade Humana, que pretende ser uma base de trabalho tendente a resolver estes problemas.


ALGUMAS REFERÊNCIAS NA INTERNET

An Interview with Johan Helsingius

http://www.wired.com/wired/2.06/departments/electrosphere/anonymous.1.html

Anonymity and Its Enmities

http://www.law.cornell.edu/jol/froomkin.htm

Anonymity on the Internet Must be Protected

http://swissnet.ai.mit.edu/6095/student-papers/fall95-papers/rigby-anonymity.html

Computer Jokes and Threats Ignite Debate on Anonymity

http://www.clas.ufl.edu/~avi/NII/NYT_anon-amok.txt

Green paper on the protection of minors and human dignity in audiovisual and information services

http://www2.echo.lu/legal/en/internet/content/gpen-toc.html

Hijackers on the Information Superhighway

http://www.theta.com/goodman/hijack.htm

How to Launder Your E-mail

http://www.wired.com/wired/2.06/departments/electrosphere/anonymous.2.html

Illegal and harmful content on the Internet - Communication to the european parliament, the council, the economic and social committee and the committee of the regions

http://www2.echo.lu/legal/en/internet/content/communic.html

Navy breaks 'don't ask, don't tell' privacy law

http://www.cdt.org/privacy/980128_navy.html

The Helsinki Incident and the Right to Anonymity

http://www.clas.ufl.edu/~avi/NII/PENET_broke.txt

Unmasked on the net

http://www.clas.ufl.edu/~avi/NII/TIME_penet.txt